sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

A elusiva figura do genial Noel Rosa

Viva, para sempre!, Noel Rosa, o Poeta da Vida!
 
A relação entre fotografia e música no âmbito da cultura de massas tem sido variada e rica, para dizer o mínimo.  Para os fotógrafos , ao menos, algum dinheirinho: não há divulgação nem reportagem que não necessite de fotografias...
João Gilberto no Canecão - A.R., 1979

O "problema" é que os gênios da música, apesar das imposições da profissionalização, costumam se afastar de tudo aquilo que possa desconcentrá-los da (ou possa ser um empecilho à) sua criação.  
Por exemplo, por timidez – Chico Buarque no início da carreira. Ou mesmo, compreensivelmente, por "preguiça criativa" – Dorival Caymmi em sua rede de balanço... 
O exemplo clássico é a já tradicional reação de João Gilberto, sempre que não encontra boas condições de reprodução para o seu sensibilíssimo som.   

Acompanhar dramas como estes é um dos privilégios da carreira de fotojornalista, e me aconteceu: pude registrar em fotos (e depois, em texto) o “não show” de João Gilberto no Canecão, em 1979!  

Mas, agora é outra história: este é o  nosso momento Noel Rosa!
Nada seria o bastante para celebrar seus 100 anos, completados neste sábado, 11/12/2010...

Felizmente, pude ouvir muita gente boa falando sobre ele, em seminários e palestras, na Casa de Rui Barbosa, na Livraria da Travessa. Rosa Maria Araújo, Nei Lopes, Sérgio Cabral, Carlos Sandroni, Ruy Castro, Ricardo Prado...

João Máximo, Vivi Fernandes de Lima e Francisco Bosco - A.R., 2010
Na Biblioteca Nacional, no debate da Revista de História, Francisco Bosco justificou seus apelidos: “Poeta da Vila”, pelo valor do texto poético, para além da sintonia entre letra e música, e “Filósofo do Samba”, pela força ética da vida que escolheu viver e pela capacidade de perceber as “fraturas” da “verdade”.  

Em seguida, João Máximo desconstruiu contemporâneas e limitadas visões que acusam de “racista” a quem teve mais de 15 parceiros negros e pobres do Estácio e da Mangueira, ou de “machista” a quem disse para a amada, num samba, que “O maior castigo que eu te dou / É não te bater / Pois sei que gostas de apanhar”, indo totalmente contra o “padrão” da época e do local...

E, afinal, não podia faltar Noel Rosa na Academia Brasileira de Letras, que a sua obra é imortal!   


Carlos Didier em entrevista na ABL - A.R., 2010
 

Em rápida entrevista antes do Seminário Brasil, brasis, um dos autores, Carlos Didier, do esgotado Noel Rosa: uma biografia (com João Máximo, leia sua explicação no link) enfatizou que Noel Rosa, tão produtivo, tinha também uma grande “capacidade de escapulir”, sempre saindo para uma outra: “Viveu 26 anos, mas é como se tivesse vivido 75... Em apenas oito anos, dos 18 aos 26, fez mais que a maioria dos compositores em uma vida toda!” 

Entre suas estratégias de evasão, o fugir de fotografias... Exemplifica falando da homenagem da Estação Primeira de Mangueira, em 1933, a Orestes Barbosa, compositor de Chão de Estrelas, e também jornalista, cronista da cidade, grande incentivador da música popular.  Noel Rosa, já um sucesso, há muito tempo amigo de Cartola da Mangueira e de Ismael Silva (e muitos malandros) do Estácio, com quem criara um novo estilo de samba, compareceu ao evento, prestigiando. 
Autocaricatura de Noel Rosa
Mas, na hora da foto, todo mundo na sua melhor pose, cadê o Poeta da Vila?... Escafedera-se...

Grande parte do seu problema com a imagem vinha, evidentemente, da deformação do queixo, causada pelo uso de fórceps em seu nascimento, que lhe prejudicava o simples ato de comer. Para compensar, descobriu que, se não faria sucesso pela beleza, conseguia chamar a atenção das mulheres com as artes da música. Não é à toa que a iconografia de Noel Rosa compreende, basicamente, retratos e fotos posadas...

A ironia (e salve salve a ironia!...) é que o próprio Didier, ao falar de uma caricatura típica de Noel Rosa (de lado, o queixo retraído), que teria como referência o perfil do seu rosto na foto com a cantora Marília Batista e seu grupo, acabou apresentando um momento desprevenido de Noel Rosa, um Noel informal, despreocupado, inebriado pela própria obra: a música não só amansa as feras como faz relaxar os humanos...
 
Marília Batista canta Noel Rosa - s/d, Arquivo Almirante, 1933
Na foto, o melhor do poeta: a sua capacidade de observação, o seu afeto pela criação musical, a sua simplicidade na vida, a percepção do mundo do ponto de vista dos despossuídos, dos que não têm "nem pra gastar", uma visão do mundo que explicitou através de suas músicas. 
Entre elas “Com que roupa?”, revolucionário samba  de sucesso imediato em plena época da Revolução de 30, calcado ironicamente no Hino Nacional.
Em suma, como toda a sua obra, uma foto musical do Brasil de então...
[Atualizado em 14/12/2010]

10 comentários:

Marcos Arzua disse...

Valeu, Guina!
Hoje comprei o CD comemorativo do centenário de Noel, encabeçado pelo Martinho da Vila, a quem assisti falando dele.
Abração, Marcos Arzua

Ricardo Ruiz disse...

- A Vila não quer abafar ninguém, só quer mostrar que faz samba também !

- Enquanto existir Vila Isabel, ficará para sempre seu nome Noel !

Alvanísio disse...

Oi, Guina
Não sei se você sabe, mas, hoje, o pessoal do bloco Eu Sou Eu, Jacaré É
bicho Dágua, de Vila Isabel, faz festa em homenagem a Noel.
Começa lá pelas 18 h, com uma lavagem da estátua, e continua com uma
passeata musical pela 28 de Setembro, até a Visconde de Abaeté, a rua
do Petisco.
Depois tem roda de samba em frente ao bar do Costa (também na Visconde
de Abaeté).
Abraço
Alvanísio

Ana Andrade disse...

Que ótima essa foto do Noel !

Muita ternura no olhar.

Letícia Coimbra disse...

Aguinaldo, Noel é ótimo, não há dúvida, mas no momento estou embevecida é com o seu texto e com a constatação de que você é um jornalista completo: as imagens e as palavras encontram o contraponto perfeito na sua observação privilegiada. Obrigada por compartilhar conosco estas histórias. Parafraseando o grande cartunista Claudius, em recente dedicatória de livro para mim: "repórter fotográfico, com texto!". Só que no seu caso, não é gozação...

VÓ JACY disse...

Caro GUINA!
Tudo o que diz respeito a NOËL ROSA, especialmente neste ano de seu centenário...é "Coisa nossa, Muito nossa"...
Muito bom ver a repercussão que a data está provocando; ABL, CC Light, exposições, shows, Saraus,CCBB, palestras,textos, livros,CDs e documentários que estão sendo levados aos admiradores de sempre e às novas gerações.
A Vila ontem estava genial! Parabéns à AMAVI,ao "Eu sou eu, Jacaré é bicho d'água" e a você.
SALVE NOËL!

Dora Locatelli disse...

Ser fotojornalista é mesmo muito importante para nos conscientizar sobre os fatos. Deve ser uma carreira dura.

Foi a primeira vez que li uma informação sobre a deformação de Noel Rosa. Não fazia ideia...

Sandra Moura disse...

E por falar em João Gilberto soube que ele viu minhas fotos na web e gostou muito, será que ele entende mesmo de fotos kkk

Parabéns pela postagem viva Noel, viva você

Feliz Natal e um ano de 2011 de muito sucesso e realizações

MEMÓRIAS CAMINHADAS disse...

Guina,
linda foto de Noel!!
Padrôes de beleza a parte, a ternura do olhar,ele inebriado com a música.
E o seu blog cada vez melhor, inebriante!!!
Parabéns!!!!
Beijos
Márcia Hortência

Chico Aguiar disse...

Oi, Guina, como vai?
Sua antena continua na melhor sintonia fina, hein?!
Obrigado pela lembrança e pela homenagem ao poeta da Vila, onde, aliás, eu nasci...
Abração

Chico Aguiar