segunda-feira, 18 de julho de 2011

A foto de imprensa e as questões do momento

Várias questões, já recorrentes, sobre fotografia jornalística apareceram nos últimos dias em diálogos na Internet ou conversas pessoais. Complicadas como são, não permitem certezas, mas pedem, ao menos, reflexão:
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1. A vulgarização da imagem
         Ronaldo Theobald, importante fotojornalista da segunda metade do século XX, em e-mail pessoal, diz-se entristecido com o fato de que “todo mundo está capturando” a sua (o adjetivo é meu) famosa fotografia e suas fotos são quase como filhas, merecem respeito –  que ele intitula "Deus de calção e chuteiras" (leia seu depoimento em A História bem na Foto) e mostra o ex-jogador (e hoje presidente) do Vasco da Gama, Roberto “Dinamite”, assediado pela torcida ao entrar no campo da Portuguesa, no Rio de Janeiro, foto ganhadora do Prêmio Esso de Fotojornalismo de 1977.
Roberto Dinamite - Ronaldo Theobald, 1977

         Está aí uma questão típica da Internet e suas facilidades... O que nos leva à consideração (mas isto não o satisfaz...) de que a imagem não mais lhe pertence (embora a autoria continue eternamente sua), que ela tornou-se produto (e retrato) da cultura brasileira, daquilo que somos como povo. E, mais: que a constante cópia da foto lhe traz o reconhecimento geral da qualidade do seu trabalho, e ainda o apresenta às novas gerações, que não podem mais ver suas fotos todos dias nas páginas dos jornais. 
         A questão dos direitos autorais se complica com os possíveis usos comerciais da imagem, e o próprio Theobald cita a Lei  nº  9.610 de 19/02/1998, que lhe garantiria direitos patrimoniais e morais. Certo, mas sabe-se que, além da lei, há as interpretações...  O padrão predominante no “mercado” é o reconhecimento de direitos patrimoniais para a empresa produtora (no caso, o Jornal do Brasil) ou compradora, e de direitos autorais para o fotógrafo. O que também leva a outra questão: como controlar estes ganhos?... E ainda há que considerar o direito de imagem, sempre problemático... Nesta foto, por exemplo, é centralizado no jogador, mas inclui qualquer uma das pessoas enquadradas.    
         Uma discussão que é muito ampla, a ser (re)feita urgentemente, e que não tem cabimento aqui.... A arte da vida  consiste em fazer da vida uma obra de arte”, nas “palavras sábias de Mahatma Gandhi”, lembra o próprio Ronaldo Theobald, e talvez seja este o caminho... Mas esta lembrança também sugere (se é consenso o direito de citar uma frase ou trecho de texto) que o ato de copiar a foto conhecida e republicá-la na Internet (com crédito, é claro!, e sem retorno comercial), não é mais do que fazer uma citação da obra do fotógrafo...
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2. A correção da História
Não matem meu cachorro - Sergio Jorge, 1961
         De repente, uma situação inusitada: o veterano fotógrafo Sergio Jorge, Prêmio Esso de Fotojornalismo de 1961, reivindica, por e-mail, a autoria da foto alusiva aos mil gols de Pelé, que havia sido publicada neste blog com destaque, justamente, para a correção do crédito! 
O jornal O Globo publicara a foto, em caderno especial sobre os 70 anos de Pelé, com um sucinto crédito à agência Keystone e, dois dias depois se retratou, atribuindo-a à revista Manchete: “a foto foi feita pelo fotógrafo Mituo Shiguihara, na Vila Belmiro, por iniciativa do diretor de redação da época, Zevi Ghivelder” (leia no blog Panis cum Ovum, de ex-jornalistas da Manchete, a retificação). 
Pois, “está tudo errado!”, diz Sergio Jorge: “a ‘bolação’ da foto foi feita por mim, fotógrafo Sergio Jorge, e o repórter Durval Ferreira”, da sucursal de São Paulo, e “ninguém da redação do Rio, como diz em seu texto, Zevi e outros, participaram dessa história, e também o ex-colega, já falecido, Mituo Shiguihara, que nada tem a ver com a foto”. Ele detalha que levaram “uma Kombi/works cheia com as bolas, eram 347”, registrando com “variadas fotos feitas com minha Hasselblad e objetiva 250mm do alto da marquise”. Porém, quando os jogadores entraram em campo para o treino, inclusive Pelé, “desmancharam o arranjo e todos chutaram as 347 bolas para o público que estavam nas arquibancadas”. O jeito foi fazer “um arranjo com a fábrica de bolas Drible, pagando o valor das bolas em permuta com uma página de Manchete [espaço publicitário] e “aí sim o Zevy e o [Arnaldo] Niskier participaram no acerto da permuta”.
Pelé 1000 gols - Sergio Jorge, 1969
Sergio Jorge, que comercializa sua produção pela agência Fotodisk, diz que “todo bom material fotográfico produzido pelos fotógrafos era vendido ou trocado com agências fotográficas mundiais, e os fotógrafos ficavam a ver navios, pelos seus direitos autorais” e ele “sempre questionava o Jakito [Pedro Jacques Kapeller, diretor e sobrinho de Adolpho Bloch]. Agora, pretende também “questionar com relação à agência Keystone”: “vou brigar por meus direitos!”.
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         As questões em torno destes direitos (o autoral, o patrimonial e os de imagem) são mesmo um emaranhado... Mas esta correção é um bom mote para lembrar o "sumiço" do arquivo fotográfico da própria Editora Bloch, vendido por uma ninharia, em leilão judicial, a um “grupo familiar” de Teresópolis-RJ, em maio de 2010, a qual, desde então, não se tem mais acesso
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3. As novas formas de fotojornalismo    
         E chega a divulgação do fotógrafo Ayrton Camargo (recentemente citado neste blog, pela sua foto aérea em 360º do Rio), que fala de uma fotografia realmente impressionante. Publicada por um órgão de imprensa, é “a primeira, única e maior gigafoto feita em uma favela no Brasil (com certeza), e pelo que conferi com profissionais gringos, do Mundo também :-)”...  Diga-se de passagem, a maior foto do mundo (até Outubro de 2010) também foi feita no Rio de Janeiro, por pesquisadores do Impa (Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada), que utilizaram um robô para bater as fotos, depois montadas por um software de sincronização (esta é apenas uma reprodução fixa, a foto original permite observar os mínimos detalhes).
Rio de Janeiro visto do Pão de Açúcar (foto fixa de gigafoto) - Luiz Velho e equipe do Impa, 2010
         A foto de Ayrton é algo mais artesanal e ele explica como foi feita: “a imagem tem 138.286 x 36.532 pixels ou seja = + de 5 gigapixels reais. Esta gigafoto foi composta com 685 clicks e cobre 190 graus de visão”. Junto com ele, mais dois fotógrafos (Stefano Aguiar e Andréa Simões) fotografaram “sem parar, de 13:36h até as 15:22h, gerando 84 gb de arquivos, debaixo de um sol estúpido, isso depois de nos perdermos dentro das vielas do Morro do Alemão (já pacificado)”.
Este blog nem tem condições técnicas de apresentar o resultado, o que se vê aqui é apenas uma captura, fixa, da imagem. Para ver com todos os recursos é preciso acessar, no site do jornal O Dia, pelo link da foto. Fundamental é observar os detalhes e a sugestão é escolher o ponto que quer ver, girar a rodinha do mouse para ampliar e aguardar até que surja o foco. A foto abrange um arco que vai do Piscinão de Ramos e da ponte de acesso à Ilha do Governador até o estádio do Engenhão e além, Inhaúma e Engenho da Rainha. E vale a pena prestar atenção na paisagem do fundo: a baía da Guanabara, a ponte Rio-Niteroi, o Centro, as montanhas... Em suma, um show de Rio de Janeiro!
Rio de Janeiro visto do Morro do Alemão (foto fixa de gigafoto) - Ayrton Camargo, 2011
 
         Mas, a foto, nestes termos, levanta ao menos duas questões...
A primeira, a da autoria: quando são necessários três fotógrafos para fazer uma fotografia, estamos diante de um novo “status” autoral?... É algo diferente de um fotógrafo de estúdio e seus assistentes?... Certamente, lembra as histórias dos pintores clássicos e seus colaboradores/copiadores...
A segunda, é relativa ao veículo: uma foto como esta, publicada por um jornal na Internet, impossível de ser publicada em papel e que não é mais uma imagem estática, cabe ainda no conceito de fotojornalismo?... Ou é o fotojornalismo que não cabe mais no papel?...
Entre questões antigas, que aguardam mudanças, e questões novas, que mudam rápido demais, onde fica (ou para onde vai) o fotojornalismo? E, aliás, a própria fotografia?...

17 comentários:

AYRTON360 disse...

Grande Aguinaldo
Fiquei muito honrado pela publicação das minhas fotos no teu blog, em especial a gigafoto do Complexo do Alemão que fiz recentemente para O DIA Online.
Quanto aos clicks, deixe-me esclarecer o porque fomos em 3.
O Stefano anotava tudo que eu fazia e conferia para que eu não errase a posição da camera, nos milhares de clicks que fizemos, pois como não gosto de usar robot (usado naquela do IMPA) eu prefiro estar no controle total da foto e por isso fiz todos os clicks manualmente. O risco de errar algum no posicionamento da camera era grande, e por isso o Stefano ficava do lado conferindo tudo que eu fazia o tempo todo para se certificar que eu não falhasse.
E a Andréa, estava incumbida de documentar o making-of, fazendo fotos da gente e também gravando videos, além de cuidar para que tivéssemos bebidas, salgadinhos e biscoitos pois não podíamos parar de clickar, já que o processo tem de ser initerrupto.
Sem os 2 eu não teria conseguido, pois além de tudo eles já conheciam o processo, e o que e como eu ia fazer, e assim estavam sempre atenados para ajudar.

Espero ter esclarecido, para que não paire dúvidas pela autoria da mesma :-)

E ainda tem mais um detalhe, a montagem final foi feita por um outro fotógrafo, amigo e parceiro meu, na Dinamarca, o Hans Nyberg :-)
Isso pPorque após os clicks eu viajei de férias para a Florida, então enviei todos os arquvios via FEDEX para a Dinamarca e este meu amigo, "colou" as imagens para gerar a composição final e assim ganharmos tempo :-)
360 abraços
Ayrton

Romildo Guerrante disse...

Meu caro Aguinaldo, eu não tenho dúvida nenhuma de que a autoria da gigafoto é do Ayrton, os demais são assistentes de um megaprocesso produtivo gerenciado por ele.
Sobre a internet. Não há dúvida de que mudou a relação da fotografia, mas não vejo com pessimismo - exceto com relação a direitos autorais -, antes vejo com entusiasmo, porque multiplica a visibilidade, embora encurte a temporariedade da visualização. A fruição estética da foto só depende de cópia papel para nós que estamos na transição de tecnologias, as gerações que se sucedem vão apreciar fotos projetadas até mesmo em paredes cegas de edifícios impensáveis. É aguardar pra ver. Literalmente.

Ana Motta disse...

Mas Guina, e qual é a sua posição sobre o assunto?
Como vc é especialista e meu amigo pretendo basear minha opinião a partir de vc.
Colocado assim um grande tema em aberto para o mundo eu me perco e não posso pq tenho vc.
Quem não tem sua amizade que se vire!!!!
Aninha

José Almino - FCRB disse...

Prezado Aguinaldo,
Tenho passado adiante. Muito interessante. Grato.
Um abraço,
José Almino

Aguinaldo Ramos disse...

Aninha,
são várias questões, e complexas.
E nesse espaço não posso ser afirmativo, é para mostrar os trabalhos alheios e levantar, mesmo, algumas questões.
Mesmo assim, um mínimo de posicionamento eu coloco, ao dizer que a foto do Dinamite tem mais é que circular, que isto é bom para todos.
Já a questão dos direitos, em sua face jurídica, que é uma selva dominada por "feras" da pesada, neste mato eu não me disponho a entrar, até pq está à véspera de alterações, via MinC.
Mas, até pq precisei organizar os pensamentos, tenho umas posições genéricas sobre tudo isto, e as expus em outro blog, mais opinativo, veja em http://vidalida.wordpress.com/
Aí, eu é que gostaria da sua opinião...
Bjs,
Guina

Aguinaldo Ramos disse...

Ayrton,
eu, que vi vc aparecer na Bloch, em 1977, aos 19 anos, por aí, com pilhas e pilhas de slides com os mais variados estilos de fotos, e das mais criativas, não tinha a menor dúvida de que vc estava no comando, que era o idealizador, o autor, desta gigafoto (que tá fazendo o maior sucesso, parabéns!).
Mas, confesso, entendi mesmo que a imagem tivesse sido construída com fotos de três máquinas...
Poderia ter lhe perguntado antes, tá certo, mas achei que valia a pena ser um pouco provocativo. Até para estimular uma boa resposta espontânea, como aconteceu...

Então concordamos, tá certo, Romildo?...
E tb concordo com o que vc falou sobre a Internet. Basicamente, a circulação das fotos neste espaço não correspondente a uma perda para o fotógrafo. Ao contrário, é publicidade.
Está aí, p.ex., o Ayrton, divulgando seu trabalho através desta gigafoto.

Sergio Moraes disse...

Belo trabalho Aguinaldo.

abs

Jô disse...

Oi Guina,
q maravilha, e que emoção poder rever os lugares onde morei e fiz trabalho de Pastoral de Favelas: Morro do Adeus, da Baiana, Grota, Nova Brasilia, Merindiba, etc e etc.
Caramba, para mim o mais emocionante (chorei) foi rever a 1ª escola em que lecionei: Theófilo de Souza Pinto, o nome pode muito bem ser visto na foto, pois o negócio por lá ficara tão feio que nunca mais tinha visto a mesma. Uma emoção e tanto!!
Muito obrigada à vc pelo envio, e parabéns ao seu parceiro pelo trabalho grandioso.
Bjs

Altamir Tojal disse...

Muito interessante o blog.
Parabéns!
Abs. Altamir

Aguinaldo Ramos disse...

Perguntei ao Ayrton se foi uma encomenda de O Dia ou se ele fez a foto e depois vendeu. Eis a sua resposta:

Eu introduzi o Pano Jornalismo no Mundo, visto que fui o primeiro panógrafo do mundo a publicar em Jornais Online, no O DIA online em 2005, de lá pra cá, já vendi (contratado) material para, o JB Online, o TERRA, a UOL me procurou tbm, o IG, a GloboNews, a TV Globo, a Revista VEJA, a Revista Vejinha-Rio, o G1, e agora, para ser exato amanhã (20/07), 4ªFeira, estarei fazendo outro para a Revista Época :-)
Por isso este ano fui convidado a Palestrar na Europa no maior Congresso de Panógrafos do Mundo, exatamente apra falar sobre PanoJornalismo e como introduzi isso na técnica de fotografia Imersiva:


E neste evento, ainda por cima fui escolhido como o melhor palestrante :-)
Adoraram e fui aplaudido por todos e parabenizado durante todos os dias que se seguiram :-)

Voltando à tua pergunta, sempre todos eles me procuraram, chegaram até mim pelos trabalhos que viram e vieram me pedir idéias, projetos, soluções e a estimativa :-)
Que digo de passagem, sempre aprovaram :-)

Esse do Alemão foi igual, me procuraram e encomendaram o trabalho, foi tudo planejado, calculado e depois apresentei um orçamento com a estimativa do job [tarefa].
Após finalizado, gostaram tanto que compraram mais uma versão, de outro ponto no mesmo local, que infelizmente, mesmo tendo sigo pago, não vai ser colocado no ar por razões de logística.

Meu site atualmente tem cerca de 2.500 trabalhos realizados para diferentes clientes e empresas e continua crescendo. Muitas multinacionais, diversas médias empresas, e muitas pequenas empresas regionais tbm. Assim como para muitas empresas jornalísticas, tais como Revista Veja, O Dia Online, TV GloboNews, Jornal do Brasil Online, portal do Terra, Vejinha-Rio, etc ... citando algumas outras Petrobras, Esso, Shell, Coca-Cola, Bradesco, Hotel Copacabana Palace, Antartica, Transpetro, Dufry, El Paso, Ancar, Riosul, Du Loren, etc ....

Nina Pilar disse...

Teu blog é muito bom. gostei!

Sergio Jorge disse...

Aguinaldo, é com muito prazer que li a sua resposta ao meu e-mail. Gostei que assim ficou esclarecido as duvidas em todos os sentidos. Aos errados; espero que também agora, apreendam a não darem palpites em assuntos desconhecidos... Espero que todos nós, e outros colegas, continuemos brigando pelos nossos direitos e possamos ter em mãos os negativos originais; já que pela lei, a E.Bloch foi a FALENCIA.
(via e-mail, transcrito pelo autor do blog)

Marcel W. Alves disse...

Legal a matéria.
Hoje temos tanta informação que sempre fico na dúvida "eu que fiz?"
É uma confusão.
Abraço Marcel

Rosa Roldan disse...

Aguinaldo,
meus parabéns pelo excelente trabalho. Ajudarei a divulgar.
Espero você esteja bem.
Abração,
Rosa Roldan

Sergio Araujo disse...

Beleza, Aguinaldo. Mais um post interessante e questionador.

Sandra Chaves disse...

Amigo Guina,
Dê os parabéns aos colegas fotógrafos que fizeram essa bela foto do morro do Alemão.
Muito legal.
Se a gente bobeia, fica o dia todo verificando cada detalhe da imagem.
Adorei!
Um abração,
Sandra.

Sandra Chaves disse...

Pode publicar meu comentário. Pena que falei pouco. Devia ter falado muito mais para eles saberem que o trabalho deles é muito bom e deve ser repetido.
Estamos na era da imagem. Em todos os sentidos.
Você que o diga, não é?
Abração,
Sandra.