quinta-feira, 21 de junho de 2012

A foto não erótica do corpo feminino

O lado menos espetacular da revolução feminina talvez seja a exposição não erótica do corpo feminino, algo que se tornou bem recebido e mais comum nas fotografias brasileiras na mesma época em que lá nas batalhas culturais do Primeiro Mundo as feministas queimavam sutiãs... 
Topless "protegido" em Ipanema - Aguinaldo Ramos, c. 1982

Aqui no Brasil não houve nada disso e a confusão provocada, nos anos 70, pela tentativa de popularização do "topless", que não deu certo, mostra bem a predominância entre nós de um conservadorismo machista básico, que facilmente se misturava, nas atitudes masculinas, à mais baixa ignorância. Custou belos gestos de despreendimento de algumas mulheres corajosas, atacadas a golpes de punhados de areia em muitas praias do país, a começar pela “avançada” Ipanema.

Índia paraense - George Huebner

Fotos de índias com seios expostos, apesar do quanto alimentavam o voyeurismo, eram aceitas como "objetos antropológicos”, pois, afinal, se tratavam de grupos sociais não integrados à sociedade “civilizada”, tanto que não tinham, até então, expressão própria (no sentido de lhes faltarem meios para construir uma autoimagem). Um bom exemplo está no livro “A fotografia amazônica de George Huebner”, do fotógrafo e pesquisador Andreas Valentin.

Foi pelo viés da maternidade que esta "renaturalização" do corpo feminino se deu, até quanto é possível afirmar isto... E não tanto pelas imagens fotojornalísticas e mais pelo valioso propósito, que dele não passavam de acessório. 

Joel Maia, 1971 - Leila Diniz grávida
O primeiro grande "choque de intimidade feminina explícita" na fotografia brasileira está ligada à “sagrada” imagem da maternidade, ainda que haja poucas santas grávidas no panteão cristão... E foi uma rebelde, em tempos de ditadura, quem (se) descobriu (n)esta causa. Leila Diniz, um tempo depois de todos os asteriscos (mal disfarçados palavrões...) de sua abaladora entrevista ao Pasquim, quando devidamente recolhida em defesa de sua prole (ainda não nascida), na sua naturalidade de fêmea, não estranha a proposta e, solta em seu barrigão, posa para fotos na ilha de Paquetá..

A repórter Maria Helena Malta, em depoimento ao autor, explica porque saiu apenas uma pequena nota: "A revista Claudia só publicou as fotos porque eram, digamos, maternais, e foram misturadas com as histórias de duas mães recentes – Nara Leão e Dina Sfat. (...) É isso: a Leila (hoje tão imitada por mulheres "bem-comportadas", que já dispensaram a bata do maiô e usam biquíni na gravidez) foi uma desbravadora, cuja aura rebelde o nosso Joel foi capaz de eternizar."
Amigas do Peito - Antonio Batalha, Ipanema, 1982

Mas, à época, a partir da mesma Ipanema, mulheres menos famosas não ficaram atrás... Maternalmente satisfeitas, sabiam da necessidade de satisfazer suas crias, e não com leite em pó, embalado em publicidade despudorada. Seus corpos também podiam ser usados numa campanha sempre sabotada pela indústria: a favor da amamentação natural. Assim surgiram as Amigas do Peito, que são, antes de mais nada, amigas dos próprios filhos...
Lucélia Santos e Pedro Neschling - Elisa Ramos, 1982

A fotógrafa Elisa Ramos estava entre elas, fotografando as amigas mas também defendendo a causa, quando aparecia amamentando o filho Rudah (a 2a. à esq., na foto). Uma campanha acalentada também por celebridades, como as que Elisa registrou.

Ângela, Chácara do Céu - Elisa Ramos, 2012
Sendo o assunto de tão continuada utilidade, tantos anos depois, retornou ao tema de forma socialmente mais abrangente, fotografando as mães de uma das maiores favelas do Rio de Janeiro e apresentando lá mesmo, as fotos montada em grandes painéis, na exposição Leite de Mãe, Leite de Vida, uma das ações do programa Mãe de Perto do SESC, aberta até 30 de julho, na Estrada da Independência, Morro do Borel, Tijuca.

Xavante amamentando na aldeia 
William Santos, 1995
Ressalte-se que, influenciado pela espontânea exposição destas mães, um necessário posicionamento dos órgãos de governo, em campanhas e outras iniciativas, também aconteceu.

Extração Manual 1 
William Santos, 2001 (*)
Um bom exemplo é a atenção dada pelas maternidades públicas, como a da UFRJ, a partir da qual um dos seus fotógrafos, William Santos, tem também produzido, desde os anos 90, sucessivas exposições sobre o tema, com o título geral de AmaMentAção.

Mas, os fatos do momento trazem outra vez a questão: será que esta “redoma” da maternidade é realmente o único espaço de não erotização da imagem fotográfica do corpo feminino?...
Recentemente, um novo fenômeno visual ganhou força, o uso do corpo nu como instrumento de luta em causas sociais, econômicas ou políticas, recurso que também é válido para a mera tentativa de atrair atenção, como os inúmeros torcedores “peladões” que invadem campos e quadras europeus...

Mulheres mostram seios em protesto contra Rio+20
Sérgio Moraes, 2012
Pois um dos mais insistentes grupos a utilizar esta arma surgiu na Ucrânia, onde mulheres jovens fazem, de peito aberto e visível, os mais ferrenhos protestos. Custou um pouco, mas a onda já chegou ao Brasil e um grupo de mulheres teve peito de protestar, de seios à mostra, contra a inocuidade da Rio+20 no enfrentamento dos problemas ambientais do mundo.
Chamaram a atenção, mas fica a dúvida: será que ganham respeito, acrescentam valor à causa?... Pois, de imediato (e muitos veriam nisto uma prova da capacidade de absorção dos protestos por parte do sistema), umas das mais bem torneadas manifestante, segundo o colunista Anselmo Goes, foi sondada para posar nua para a revista Playboy...

[ (*) Imagem acrescentada em 27/07/2012 . 
Veja nos Comentários os motivos da  atualização.]