quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

A elusiva figura do genial Noel Rosa

Viva, para sempre!, Noel Rosa, o Poeta da Vida!
 
A relação entre fotografia e música no âmbito da cultura de massas tem sido variada e rica, para dizer o mínimo.  Para os fotógrafos , ao menos, algum dinheirinho: não há divulgação nem reportagem que não necessite de fotografias...
João Gilberto no Canecão - A.R., 1979

O "problema" é que os gênios da música, apesar das imposições da profissionalização, costumam se afastar de tudo aquilo que possa desconcentrá-los da (ou possa ser um empecilho à) sua criação.  
Por exemplo, por timidez – Chico Buarque no início da carreira. Ou mesmo, compreensivelmente, por "preguiça criativa" – Dorival Caymmi em sua rede de balanço... 
O exemplo clássico é a já tradicional reação de João Gilberto, sempre que não encontra boas condições de reprodução para o seu sensibilíssimo som.   

Acompanhar dramas como estes é um dos privilégios da carreira de fotojornalista, e me aconteceu: pude registrar em fotos (e depois, em texto) o “não show” de João Gilberto no Canecão, em 1979!  

Mas, agora é outra história: este é o  nosso momento Noel Rosa!
Nada seria o bastante para celebrar seus 100 anos, completados neste sábado, 11/12/2010...

Felizmente, pude ouvir muita gente boa falando sobre ele, em seminários e palestras, na Casa de Rui Barbosa, na Livraria da Travessa. Rosa Maria Araújo, Nei Lopes, Sérgio Cabral, Carlos Sandroni, Ruy Castro, Ricardo Prado...

João Máximo, Vivi Fernandes de Lima e Francisco Bosco - A.R., 2010
Na Biblioteca Nacional, no debate da Revista de História, Francisco Bosco justificou seus apelidos: “Poeta da Vila”, pelo valor do texto poético, para além da sintonia entre letra e música, e “Filósofo do Samba”, pela força ética da vida que escolheu viver e pela capacidade de perceber as “fraturas” da “verdade”.  

Em seguida, João Máximo desconstruiu contemporâneas e limitadas visões que acusam de “racista” a quem teve mais de 15 parceiros negros e pobres do Estácio e da Mangueira, ou de “machista” a quem disse para a amada, num samba, que “O maior castigo que eu te dou / É não te bater / Pois sei que gostas de apanhar”, indo totalmente contra o “padrão” da época e do local...

E, afinal, não podia faltar Noel Rosa na Academia Brasileira de Letras, que a sua obra é imortal!   


Carlos Didier em entrevista na ABL - A.R., 2010
 

Em rápida entrevista antes do Seminário Brasil, brasis, um dos autores, Carlos Didier, do esgotado Noel Rosa: uma biografia (com João Máximo, leia sua explicação no link) enfatizou que Noel Rosa, tão produtivo, tinha também uma grande “capacidade de escapulir”, sempre saindo para uma outra: “Viveu 26 anos, mas é como se tivesse vivido 75... Em apenas oito anos, dos 18 aos 26, fez mais que a maioria dos compositores em uma vida toda!” 

Entre suas estratégias de evasão, o fugir de fotografias... Exemplifica falando da homenagem da Estação Primeira de Mangueira, em 1933, a Orestes Barbosa, compositor de Chão de Estrelas, e também jornalista, cronista da cidade, grande incentivador da música popular.  Noel Rosa, já um sucesso, há muito tempo amigo de Cartola da Mangueira e de Ismael Silva (e muitos malandros) do Estácio, com quem criara um novo estilo de samba, compareceu ao evento, prestigiando. 
Autocaricatura de Noel Rosa
Mas, na hora da foto, todo mundo na sua melhor pose, cadê o Poeta da Vila?... Escafedera-se...

Grande parte do seu problema com a imagem vinha, evidentemente, da deformação do queixo, causada pelo uso de fórceps em seu nascimento, que lhe prejudicava o simples ato de comer. Para compensar, descobriu que, se não faria sucesso pela beleza, conseguia chamar a atenção das mulheres com as artes da música. Não é à toa que a iconografia de Noel Rosa compreende, basicamente, retratos e fotos posadas...

A ironia (e salve salve a ironia!...) é que o próprio Didier, ao falar de uma caricatura típica de Noel Rosa (de lado, o queixo retraído), que teria como referência o perfil do seu rosto na foto com a cantora Marília Batista e seu grupo, acabou apresentando um momento desprevenido de Noel Rosa, um Noel informal, despreocupado, inebriado pela própria obra: a música não só amansa as feras como faz relaxar os humanos...
 
Marília Batista canta Noel Rosa - s/d, Arquivo Almirante, 1933
Na foto, o melhor do poeta: a sua capacidade de observação, o seu afeto pela criação musical, a sua simplicidade na vida, a percepção do mundo do ponto de vista dos despossuídos, dos que não têm "nem pra gastar", uma visão do mundo que explicitou através de suas músicas. 
Entre elas “Com que roupa?”, revolucionário samba  de sucesso imediato em plena época da Revolução de 30, calcado ironicamente no Hino Nacional.
Em suma, como toda a sua obra, uma foto musical do Brasil de então...
[Atualizado em 14/12/2010]

domingo, 5 de dezembro de 2010

Com a mão na taça: o melhor momento do futebol brasileiro

Não que o Campeonato Brasileiro de cada ano (depende das chances do seu time...) seja desinteressante.
Desta vez, melhor pensar no grau de condensação simbólica que uma fotografia pode adquirir no tempo, este grande solucionador de dúvidas...
É do que trata a ideia de foto síntese, que, improvisando uma definição, seria “a fotografia capaz (para toda uma maioria de observadores) de fazer (ou ser) o resumo, o sumário, a síntese (o símbolo mais compacto possível) de um tema, assunto, evento, período etc”.

Foi o assunto do evento Foto Síntese , da ECO/UFRJ, usando como exemplo o futebol brasileiro. Seu melhor momento, sem medo de errar, é a conquista da taça Jules Rimet, a Copa do Mundo... É nossa, mas, hoje, apenas na memória: foi roubada e derretida em 1984...
Sendo apenas um exercício e o assunto de amplo conhecimento, ao menos para a minha geração, considerei a pesquisa como feita e escolhi logo as fotos sínteses de cada Copa: Bellini levantando a taça, Garrincha garantindo o Bi, Pelé liderando o Tri.

Bellini - s/d, Suécia, 1958
A Copa de 1958 foi a da “superação”. Para o futebol, das lembranças da “tragédia” de 50, do “Maracanazo”. Para o povo, a nação, do “complexo de vira-lata”, que Nelson Rodrigues definiu como “a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo”. 
"Estátua do Bellini" - AR, 2010

O gesto de Bellini, levantando a taça que representa o mundo acima da cabeça do rei da Suécia, sintetiza o momento. E o fez, detalhe, em vez de colocar debaixo do braço e sair, a pedido dos fotógrafos...

Tão marcante, que ao erguerem à frente do Maracanã, no Rio, após a Copa de 62, uma estátua “genérica” aos campeões, o povo logo a nomeou a “Estátua do Bellini”, como conta Ruy Castro, com humor, na revista Brasileiros.



Garrincha contra Chile - s/d, Chile, 1962
Em 1962, caçado implacavelmente nos gramados do Chile, mas driblando todos os obstáculos (principalmente os extracampo, da paixão vulcânica por Elza Soares à expulsão na semifinal), Garrincha foi a peça chave da vitória do Brasil, nesta que foi a Copa do “jeitinho”..


Capa "Veja na História"

Simbolizando um país que se desenvolvia à base de muita “malandragem”, a genialidade de Garrincha (o “Anjo das Pernas Tortas”, para Vinicius de Moraes) é tão reconhecida que até no futuro se tornou capa de revista...




A Copa de 1970 é a da “qualidade”. A da preparação do time, um tanto militarizada, mas, principalmente, a dos jogadores, o melhor grupo, comprovado em campo, já reunido. Sua eficiência, aliada à paixão do brasileiro, possibilitou à arte do futebol ganhar da tensão política produzida pela ditadura civil militar do golpe de 64. 
Predominou a ufanista "Eu Te Amo Meu Brasil”, de Os Incríveis. 

Pelé foi o craque do time, o Rei, mas sua corte (com ele, na foto, Tostão e Jairzinho) era do mais alto gabarito...    

Aproveitemos para observar um exemplo da composição da imagem como diferencial na escolha. Alguém deixaria de escolher a da esquerda?...
São fotos horizontais, mas costumam receber um corte vertical, para destacar os jogadores.

 
Gol de Pelé - Orlando Abrunhosa, México, 1970
Gol de Pelé - Lemyr Martins, México, 1970





Ora, não há melhor mandato histórico para uma fotografia do que ser copiada (e à mão!), traço definitivo de sua importância social.
Em 2010, a revista digital Sete Fios homenageou as vitórias em Copas com uma série de charges. Com exceção de 58, é o mesmo resultado.
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Bem antes, em 1970, logo após o Tri, os Correios lançaram a série de selos que homenageia a conquista da Jules Rimet, calcadas em fotos (o lance de Garrincha na de 62 é meio estranha...).
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São exemplo que ajudam a corroborar as, no caso, quase intuitivas escolhas destas fotos sínteses.