Não é difícil assistir à morte de um jornal ou revista...
No Brasil, nas últimas décadas, dezenas deles desapareceram, muitos no Rio de Janeiro.
A bola da vez é o já saudoso Jornal do Brasil, onde, aliás, trabalhei nos anos 80.
Doloroso é acompanhar sua agonia, ouvir o viúvo lamento de seus leitores, lembrar a importância (e valor) da fotografia em suas páginas.
A ironia é que o princípio do fim do JB está ligado a uma fotografia...
Em plenos Anos Dourados, governo Juscelino Kubitschek, agosto de 1958, uma importante missão americana, sob o comando do Secretário de Estado John Foster Dulles em pessoa, veio ao Brasil para tratar da situação do petróleo, tema da recente campanha nacionalista “O petróleo é nosso”.
No início de uma reunião no Palácio Laranjeiras, no tradicional tempo dado aos fotógrafos e cinegrafistas para o registro dos cumprimentos, o fotógrafo do Jornal do Brasil, Antonio Andrade fez a foto polêmica. A foto “dá a impressão de que JK estende a mão, suplicante, ao secretário norte-americano, que por sua vez parece que está abrindo uma carteira à cata de dinheiro”.
O Jornal do Brasil publicou a fotografia em sua primeira página sob o título ‘Me dá um dinheiro aí’, em alusão à modinha de carnaval de recente sucesso, mote intensamente repercutido pela oposição, capitaneada por Carlos Lacerda.
Versão de Moacyr Franco para a marchinha 'Me dá um dinheiro aí’,
trecho do filme Entrei de Gaiato, de 1959.
Para a História do Brasil, uma espécie de imagem-símbolo do relacionamento político e econômico, por décadas, entre Brasil e Estados Unidos.
Na História do Jornal do Brasil, consequências trágicas: JK puniu o jornal com o cancelamento da concessão de um canal de televisão, que já estaria em sua mesa para ser assinada. O JB seria o segundo jornal a ter um canal de TV – a Tupi pertencia aos Diários Associados, de Assis Chateaubriand –, o mesmo que, mais tarde, seria dado a O Globo, de Roberto Marinho.
Uma perda cuja mágoa jamais seria esquecida. Embora o jornal tenha tido ainda grandes momentos, outros fatores influenciaram na sua decadência (leia, clicando aqui, a iconoclasta versão de Paulo Henrique Amorim, editor do jornal na década de 80).
Curiosamente, esta imagem teve gênese relativamente prosaica, mera conseqüência da disciplina profissional do fotógrafo, à procura de uma foto diferente: “Na verdade, Andrade só procurou seguir as normas do jornal e seu instinto, quando o cinegrafista Jean Manzon (que na hora estava atrás de Dulles mas não aparece na cena) pediu ao presidente que posasse junto ao secretário, para registro. JK teria dito ‘Mas, agora?’ ao mesmo tempo em que Dulles consultava sua agenda. Daí as mãos de JK e o gesto do norte-americano.”
.
Uma descrição dos acontecimentos (a partir da matéria citada, publicada em 1998 pelo Paparazzi, jornal da Associação Profissional dos Repórteres Fotográficos e Cinematográficos do Rio de Janeiro, ARFOC/Rio) pode ser lida em A história da foto de Antônio Andrade, material de referência para a dissertação de mestrado A História bem na Foto: fotojornalistas e a consciência da história, deste autor.
Antonio Andrade nasceu na Bahia, veio para o Rio se alistar e começou a fotografar em 1949 no jornal Imprensa Popular,“voz” do PCB, então perseguido pelo governo Dutra. Passou por O Globo e foi para a Tribuna da Imprensa em 1955. Entrou no JB quando da famosa reforma gráfica de 1956. Em 1960, volta à Tribuna da Imprensa como editor de Fotografia. Foi, por seis meses, correspondente da agência cubana Prensa Latina no Brasil, fotografando a visita de Che Guevara. Passou um tempo na Bahia e voltou para a Revista Manchete em 1966. Ganhou o Prêmio Esso de 1967 com uma foto publicada em Fatos & Fotos em que bombeiros salvam uma grávida arrastada por enxurrada na Tijuca. Esteve seis meses no Correio da Manhã e voltou para o JB, até 1980, e novamente O Globo, daí até 1986. Foi editor de Fotografia do jornal da Vale do Rio Doce até a privatização da empresa em 1997 e, depois da aposentadoria, seu colaborador.