O ser humano é um risco no mundo...
Em tempo de catástrofe ambiental, uma enxurrada de fotos altamente realistas mostra praticamente todos os detalhes dos acontecimentos, trazidos à vista de todos, produto de um grande esforço de trabalho dos fotojornalistas, sem contar os colaboradores espontâneos da imprensa...
No entanto, passado um certo tempo, as que ficam (e, por isto, se tornam históricas) são as mais simbólicas, não as mais cruéis e exatas ...
Historicamente, as notícias são centradas no que se entende como excessos da natureza contra os esforços de sobrevivência (ou de progresso...) do ser humano.
O capítulo relativo às chuvas, por exemplo, é vasto: no Rio de Janeiro, há registros de enchentes desde 1711...
Os fotógrafos sempre se esforçaram por registrar tudo, mas uma das únicas fotos neste tema que ganhou Prêmio Esso foi a de Carlos Mesquita, do Jornal do Brasil (a anterior, de Antonio Andrade, 1967, é uma cena de ação), é uma espécie de "retrato" das consequências das chuvas de verão de 1982 em Petrópolis-RJ: a foto do rapaz de apenas 14 anos que trazia no colo o corpo de um menino retirado instantes antes dos escombros de um desabamento e dizia "ele está morto, ele está morto"...
Chuvas de verão em Petrópolis, RJ - Carlos Mesquita, 1982 |
Resultou numa primeira página forte, a foto atravessando toda a parte superior do jornal, muito discutida, alguns achando que, excessivamente chocante, não deveria ter sido publicada. O mérito do autor é ter substituído, no ato fotográfico, o drama coletivo, o conjunto confuso de escombros e esforços, por um singelo mas definitivo retrato da fragilidade humana.
As secas, historicamente frequentes no Nordeste, cada vez mais comuns no Sul, são outras das catástrofes “naturais” continuamente fotografadas no Brasil.
A seca do Ceará foi assunto, em 1878, da nossa primeira fotorreportagem, em fotografias de alta carga simbólica, as famélicas crianças fotografadas em estúdio.
Em 1983, mais de um século depois, nova versão: a foto de Delfim Vieira, também do JB, mostrando o alimento disponível para o sertanejo, um calango.
Calango mata fome no Ceará - Delfim Vieira, 1983 |
A foto foi feita em Apuiarés-CE, depois do prefeito declarar na TV que, para sobreviver, o povo estava comendo calangos (nome local para um tipo de lagartixa). Da ida à região resultou a foto de “um homem muito enrugado e muito magro, que nos mostrou o produto de um dia de caça: um calango morto com atiradeira, pronto para virar torresmo e ser comido em pedacinhos, com farinha, por toda uma família” (leia depoimento).
A foto, publicada no alto da primeira página do jornal, torna-se um resumo simbólico da seca pela “objetividade” da imagem. Nela, apenas duas informações: o que é um calango e em que condições estava o homem que se dispunha a comê-lo. Uma economia de dados que só aumenta o impacto da imagem...
Mas, nem sempre o ser humano é mera vítima da natureza, caso se insista nesta separação...
Cada vez mais, a catástrofe é provocada pelo ser humano. E, mais uma vez, a imagem que fica, sendo um resumo objetivo do momento, se torna, no tempo, uma referência simbólica.
É o caso da foto de Domingos Peixoto, publicada em O Globo, em janeiro de 2000, da agonia de uma ave coberta de petróleo, consequência do derramamento de petróleo na baía de Guanabara, advindo da refinaria da Petrobras, em Duque de Caxias-RJ.
Sem dúvida, a imagem mais marcante de mais um desastre ambiental, entre tantas e tantos...
Derrame de petróleo na Guanabara - Domingos Peixoto, 2000 |
Sem dúvida, a imagem mais marcante de mais um desastre ambiental, entre tantas e tantos...
De catástrofe em catástrofe, o fotojornalista traça a crônica da sobrevivência humana.
A seleção de fotos simbólicas, no entanto, mostra apenas uma pequena parte da história da insensatez humana.