domingo, 11 de setembro de 2011

Atentados, no atacado e no varejo

Esta data, que desde 2001 é, de certa maneira, o Dia Internacional dos Atentados, sugere uma mínima olhada sobre os nossos...
Para os mais jovens (e os menos ligados) talvez valha a pena lembrar que quando se fala "no varejo" trata-se do indivíduo, o nominado; e quando se fala “no atacado” é o coletivo, o indiscriminado. Uma regra que tem valor geral, desde o mercado de secos & molhados de antigas esquinas até as lutas mais insanas das políticas mais globalizadas.
Pois, afinal, em matéria de atentado, também no Brasil temos nosso legado...

Atentado contra Ronald Reagan - Sebastião Salgado, 1981
Os tempos do Império podem ser às vezes idealizados como a calmaria que precede uma republicana tempestade... Nem por isto D. Pedro II escapou de um atentado, do qual, contam os jornais, saiu-se com elegância e generosidade. Na saída do Teatro Santana (atual Carlos Gomes), no largo do Rocio (atual Praça Tiradentes), em 15 de julho de 1889, o Imperador e a Imperatriz, além dos gritos de "Viva a República", ouvem, já em sua carruagem, três tiros que são contra eles disparados. O autor, Adriano do Vale, português de 20 anos, é preso e, não tendo qualquer ligação com republicanos ou militares que combatiam o governo, é simplesmente perdoado por Dom Pedro II.
Não tínhamos então um Sebastião Salgado, que, em 1981, em Washington, fotografou, em condições semelhantes, o atentado contra Ronald Reagan, presidente dos EUA, e ainda conseguiu, com a venda das fotos, a sua independência financeira...  

Mais dramático foi o atentado contra o primeiro presidente civil (e eleito pelo voto direto, em 1894), Prudente de Morais, representante da oligarquia cafeeira paulista. Além da Guerra de Canudos (finda em outubro de 1897), Prudente de Morais enfrentou a oposição de setores militares que atuavam como milícias independentes.
Prudente de Morais presidente, 1894
Mal. Machado Bittencourt
Na chegada das tropas ao Rio (05/11/1897), o anspeçada Marcelino Bispo de Melo o atacou, com revólver e faca. Resultou uma vítima fatal, seu Ministro da Guerra, Marechal Carlos Machado Bittencourt, morto a facadas. Bittencourt era justamente o militar responsável pelo ataque final a Canudos e também pela aplicação da “gravata vermelha”, ou seja, a degola, "no atacado", de milhares de homens, mulheres e crianças, que tinham se rendido no arraial.
Em resposta ao atentado, Prudente de Morais decreta estado de sítio na capital, desarticula a oposição e dois Capitães são condenados, como mentores intelectuais do crime. O anspeçada Marcelino, preso no ato, acaba sendo encontrado enforcado na cadeia...
Prisioneiros da Guerra de Canudos - Flávio de Barros, 1897

 
Lacerda ferido - Mundo Ilustrado, 11/08/54
Não temos, como alguns dos mais belicosos países, presidentes mortos por atentado em pleno exercício do mandato. Temos, porém, o caso do presidente que, abalado pelas repercussões de um atentado, logo atribuído a seu governo, toma a decisão de, com êxito, atentar contra a própria vida... 
O atentado da rua Tonelero, contra o agressivo jornalista Carlos Lacerda, em 5/8/1954, de tal forma reverberou que chega a ser considerado um fato determinante para o suicídio de Getúlio Vargas. Dada a evidente participação de membros da guarda pessoal do presidente, a situação em poucos dias evoluiu de uma forte pressão pela renúncia para a ameaça explícita de golpe militar. Na madrugada de 24/08, Getúlio Vargas, deixando uma carta testamento à Nação, se suicida e é a emocionada reação popular que provoca o adiamento dos planos golpistas.

Alte. Nelson Gomes Fernandes
Com a ditadura, que se segue ao golpe de 1964, recrudescem no Brasil os atentados “no atacado”... 
Na manhã de 25/07/1966, ainda que o alvo principal fosse o candidato oficial à sucessão de Castelo Branco, marechal Arthur da Costa e Silva (que viria de João Pessoa), uma bomba é colocada, por grupos de esquerda, no saguão do aeroporto de Recife. Tendo a viagem aérea sido cancelada por pane no avião, o futuro presidente não correu qualquer risco, mas o atentado do aeroporto Guararapes provoca duas vítimas fatais, o jornalista Edson Régis de Carvalho e o almirante reformado Nelson Gomes Fernandes, causando ainda14 feridos.

A maior contrapartida, efetuada por grupos de direita a este tipo de ação é, realmente, um exemplo de atentado que, visando efeitos políticos pela escolha de um alvo simbólico, deveria ser potencializado ao atingir vidas humanas indiscriminadamente. 
Sgt. Guilherme Pereira do Rosário – Vidal da Trindade, 1981
No atentado do Riocentro, na noite de 30/04/1981, os autores tinham a intenção de explodir bombas no pavilhão onde milhares de pessoas assistiam ao show comemorativo do Dia do Trabalhador.  
Numa espécie de acidente de trabalho, as vítimas foram justamente alguns dos seus executores, morrendo na precipitada explosão (ainda no Puma em que preparava uma das bombas) o sargento Guilherme Pereira do Rosário, especialista em explosivos, e
ficando ferido o então capitão, hoje coronel, Wilson Dias Machado.

Desde então, talvez por conta da redemocratização, os atentados deste porte, “no atacado”, ou contra alvos "notáveis" não mais aconteceram. Mas nem por isto o Brasil se tornou um país especialmente pacífico... 

É “no varejo” que as mortes políticas continuam sendo praticadas e –  em vez dos grandes personagens da política – cotidianamente atingem vereadores, prefeitos, religiosos, ecologistas, lavradores, favelados etc... 

De certo modo, é só morrendo desta forma que há espaço para todos eles na nossa História...