quinta-feira, 2 de setembro de 2010

A primeira fotorreportagem do Brasil e o Dia do Repórter Fotográfico

O fato é que temos verdadeira vocação para inventar efemérides, somos realmente seres históricos!

Sempre comemoramos a passagem do tempo (cada um, seus aniversários, e, solidariamente, as várias “bodas”). Ou marcamos no tempo, pela associação de datas a fatos, a nossa relação com as mais variadas entidades, inclusive as profissionais.
Daí, resulta que temos ao menos três “Dia de...” em torno da fotografia no Brasil: o 8 de Janeiro, Dia da Fotografia; o 19 de Agosto, Dia Internacional da Fotografia e, valorizando a classe dos fotojornalistas, o Dia do Repórter Fotográfico, neste 2 de Setembro.
Com exceção do 19 de Agosto (veja aqui), o difícil é saber a razão das escolhas, e desta vez o Google não resolveu o problema... 
Além disso, o 2 de Setembro é também o Dia do Florista, e não me perguntem os motivos, nem as possíveis consequências desta inesperada associação...


Por outro lado, outra forma muito frequente de aplicação do chamado “senso comum” à História é a incessante busca de uma definição sobre a primeira vez, seja lá de qual fato... Por exemplo, o primeiro avião: é de Santos Dumont ou dos irmãos Wright?... Em suma, intermináveis variações daquela dúvida cruel de nossa infância: o ovo ou a galinha?


Assim, temos aqui o cruzamento destas duas “necessidades” históricas, a “data oficial” e a “primeira vez”: qual foi a primeira reportagem fotojornalística realizada (e publicada) no Brasil?...
(Hum, hora de pedir ajuda aos especialistas...)


Para Joaquim Marçal, em seu livro “História da fotorreportagem no Brasil: a fotografia na imprensa do Rio de Janeiro de 1839 a 1900” (Elsevier, Rio: 2004), a primeira fotorreportagem foi publicada em 1878 na revista O Besouro – folha ilustrada, humorística e satírica, dirigida pelo português Raphael Bordalo.

José do Patrocínio ia ao Nordeste registrar a seca para o jornal Gazeta de Notícias e Bordalo lhe encomendou algum material para a revista. Impressionado com a miséria, Patrocínio consegue fotografias no formato carte-de-visite e as envia para o Rio.
Transformadas em litografias pelo próprio Bordalo, são publicadas na primeira página da edição de 20 de julho de 1878 de O Besouro, encimadas pelo título “Páginas tristes – Scenas e aspectos do Ceará (para S. Majestade, o Sr. Governo e os Senhores Fornecedores verem)”.

J. A. Corrêa, 1878 - Vítimas da seca no Ceará


Note-se o desenho que enquadra as fotografias: é a mão de um esqueleto, usando paletó e camisa social com abotoaduras, que segura as duas carte-de-visites como cartas de baralho, em evidente alusão à crítica generalizada de que as autoridades estavam “jogando” com as vidas humanas. Marçal destaca que o editor associa “a ‘objetividade positivista’ das cópias fidelíssimas das fotografias ao posicionamento crítico e subjetivo dos títulos e de vários detalhes significativos de seu desenho”, mas ressalta tratar-se do “primeiro uso da fotografia como um instrumento de denúncia naquele meio de comunicação”, a revista.

Mas, quem foi o fotojornalista? 
Quem se dispôs a trazer ao estúdio e registrar para a História estas crianças subnutridas, a imagem da seca?...
Bordalo não lhe dá o crédito, destacando apenas o autor do texto, mas Marçal identifica, nos originais da Biblioteca Nacional, uma marca impressa tipograficamente em vermelho que traz o nome do fotógrafo: J. A. Corrêa – Ceará.
No entanto, não se sabe exatamente quem foi... 
Era a marca de um estúdio de Fortaleza, onde trabalhavam dois fotógrafos, certamente parentes, irmãos ou primos: Joaquim Antonio Correa e José Antonio Correa...

Curiosamente, o próprio Joaquim Marçal é candidato a quebrar este paradigma, o da primeira fotorreportagem no Brasil.
Atualmente ele pesquisa, para seu doutorado na História Social - IFCS/UFRJ, a Guerra do Paraguai (1864-1870), de que se conhece apenas fotografias posadas (o chamado “teatro de guerra”). Para ele (e outros pesquisadores), fotografias podem estar engavetadas (como acontece com registros históricos mais recentes) em algum departamento um pouco mais zeloso do Exército brasileiro... Tais fotos, trazidas à luz e associadas a relatórios de campo, seriam certamente outros marcos iniciais da fotorreportagem no Brasil.

Ah, outra ironia: o 2 de Setembro é, ainda, o Dia do Lazer!
Pois escrever esta postagem deu um bocado de trabalho...
 
Joaquim Marçal Ferreira de Andrade é designer (ESDI/UERJ), fotógrafo e pesquisador. 
Mestre em design pela PUC-Rio e doutorando em História Social pelo IFCS/UFRJ. 
Como pesquisador da Biblioteca Nacional, coordenou o projeto de resgate da coleção
de fotografias de D. Pedro II, hoje inscrita no programa Memória do Mundo, da Unesco.
Professor adjunto de fotografia do Departamento de Artes & Design da PUC-Rio
e da pós-graduação em Fotografia do Instituto de Humanidades da UCAM.

2 comentários:

Anônimo disse...

Márcia Martins Olimpio > Que aula, Guina! Parabéns por todo o seu trabalho.
Ana Carolina Fernandes > Parabéns, Guina!

Anônimo disse...

Américo Vermelho > Guina, seu blog está cada dia melhor.....não sei se vc tá ganhando algum dinheiro com isso, mas deve estar te trazendo orgasmos múltiplos fazê-lo....rsrsrsr!!!
(por e-mail)
Márcia Martins Olimpio > Que aula, Guina! Parabéns por todo o seu trabalho.
Ana Carolina Fernandes > Parabéns, Guina!
Cleusa Meurer > Parabéns Guina!!!!
Elisa Ramos > Parabéns Tio Guina, seu trabalho é maravilhoso.
Margareth Bravo > Parabéns, querido!
(via Facebook)