quinta-feira, 21 de abril de 2011

A morte anunciada (e repensada)

História, numa hora dessas?... 
Só novas mortes permitem o esquecimento (ou a superação) de tantas outras que a vida nos apresenta, quando não nos oferece pessoalmente...

E tal qual o destino que se dá a nossos restos, que, passado um tempo, vão para carneiros e urnas indiferenciadas, as mortes já antigas são guardadas em distantes e às vezes inacessíveis gavetas do que seria o "cemitério" da História.
Mas, nem todas, que há reconsiderações e hierarquias neste campo nada santo... A morte de algumas, pelo que associamos ao que fizeram em vida, pode ganhar novo espaço, talvez uma sepultura ornada ou um mausoleu gigantesco, tudo depende das reconsiderações que os sempre novos (e os futuros) administradores da vida fizeram (ou farão) na História.

Tiradentes em Cr$5000,
na capa de Abril 2011
Caso clássico, no Brasil, é o de Tiradentes, o alferes (hoje, algo como tenente) Joaquim José da Silva Xavier, e é pena que não tenhamos a sua foto, pois nem existia ainda a fotografia...
Único condenado à morte (e executado) da Conjuração Mineira, desamparado em vida, talvez pela menor expressão política, talvez pela excessiva vibração de sua luta, acabou recuperado em altíssimo grau pela República, na década de 1890, por militares que precisavam de herois...

E, logo, figurado em pinturas tão apropriadas à causa que até lhe deram barba e cabeleira, mártir "cristianizado", apesar dos condenados de então irem ao cadafalso com cabeça e cara raspadas... Seja como for, a recuperação histórica se efetivou: o Dia de Tiradentes, 21 de Abril, é, no Brasil, o único feriado dedicado a uma só pessoa.

Histórias que se transformam em música, músicas que recontam estas histórias e que podem ser revistas (e reouvidas...) com prazer no espetáculo “História através da Música”, um “espetáulaco”, como sugere o Crioulo Doido de Stanislaw Ponte Preta, guia desta história e neste palco, a sugestão teatral do momento...

Tancredo no Hospital - Gervásio Baptista, 1985
E, no entanto, há mortos que aos poucos desaparecem no chamado "limbo" da História, à medida em que o impacto de sua morte se distancia da realidade desgastante do cotidiano.
É o caso de Tancredo Neves, que, miticamente, “escolheu” o mesmo dia 21 de Abril para morrer...
Surpreendido em 15 de março de 1985 pela notícia da doença que impediu sua posse como Presidente, o Brasil acompanhou a agonia. Uma morte que a nação não queria e cuja proximidade os médicos aceitaram disfarçar, armando uma cena no hospital, que Gervásio Baptista (que seria seu fotógrafo na Presidência e assumira com Sarney), foi o único a registrar. 

Uma fatalidade, e não há como escapar. Mas, há como antever?...
A História tem esta vantagem: permite recuperar os sinais (o que dá certo alívio) e chegar a conclusões que, na hora, o acelerado dos fatos não permite.

Tancredo sente dor  - Zeca Guimarães, 1984
Dois fotógrafos da série A História bem na Foto contam histórias assemelhadas, ambas em torno de Tancredo e sua morte.

Zeca Guimarães (leia seu depoimento) reviu a foto intrigante de Tancredo fazendo uma careta de dor, ainda em 1984, e compreendeu: era a morte que se anunciava... 


E Antonio Batalha (aqui, suas lembranças) entendeu o gesto significativo de Tancredo, de uma visita de campanha ao Rio de Janeiro: era um gesto de despedida...


Tancredo se despede - Antonio Batalha, 1985
Então, voltando à Inconfidência Mineira, não é que neste mesmo momento os restos de três outros condenados (no caso, ao degredo na África, onde morreram) são recuperados, trazidos de volta ao Brasil, e entronizados no Panteão da Inconfidência?... 

São as voltas que a História dá. 
É, esta História é mesmo de morte...

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Falsificações, fraudes e farsas: nas fotos e na imprensa

Embora o senso comum tenda a ver como “realistas” as chamadas “imagens técnicas” (aquelas obtidas com o uso de algum equipamento entre o “apertador do botão” e a “realidade”, como fotografia e vídeo, para simplificar), não custa lembrar, neste 1º. de Abril, o quanto estas imagens podem ser mentirosas.
Algum tipo de manipulação sempre há, em qualquer fotografia, escolhas têm que ser feitas... Pode ser por parte do fotógrafo, ao escolher o ângulo ou a lente, ou do editor, quando opta por uma foto em vez de outra ou acrescenta uma legenda tendenciosa, entre outras figuras e possibilidades. De fato, a fotografia não é necessariamente um “espelho dos fatos”...

A primeira publicação, no Brasil, a imprimir fotografias de forma mecânica (sem intermediação de um gravurista) em edições sucessivas foi a Revista da Semana, lançada em maio de 1900.
As fotografias “realistas” impressionavam, mas os editores também apelavam, talvez contando com a ingenuidade dos leitores, poucos acostumados com fotografias... No n° 6, de 24 de Junho, a foto “Tentativa de Assassinato”, uma evidente encenação, ocupava toda a capa, enquanto a legenda, um tanto exagerada, dizia: “O coronel Horacio de Lemos atacado em pleno dia na Rua dos Ourives. Photographia instantanea apanhada casualmente por um dos nossos photographos”...


 
Outro recurso usado em certas circunstâncias (queda de vendas, em especial...) é a, digamos, “invenção da realidade”. Foi o que aconteceu em maio de 1952, quando a revista O Cruzeiro (que tinha em seu histórico alguns casos assemelhados), publicou as primeiras fotos de OVNIs do Brasil, em um encarte "Extra", sob o título "Disco Voador na Barra da Tijuca"!

As fotos são de Ed Keffel e texto de João Martins, que até aparecem na revista, examinando os negativos das fotos, feitas em uma Rolleiflex. Um sucesso nada modesto... Diz a reportagem: "O Cruzeiro apresenta, num furo jornalístico espetacular, a mais sensacional documentação jamais conseguida sobre o mistério dos discos voadores. O estranho objeto veio do mar, com enorme velocidade, e foi visto durante um minuto, de cor cinza-azulado, absolutamente silencioso, sem deixar rastros de fumaça ou de chamas. Relato completo da fascinante aparição na Barra da Tijuca". 
 
Curiosamente, os ufólogos são gratos à reportagem porque, objetivamente, apresentou o tema aos brasileiros: “A ufologia no Brasil começou com uma grande fraude”. Ironicamente, oficiais da Força Aérea Brasileira (FAB) investigaram e produziram um relatório que confirmava a autenticidade das imagens, que são apenas fotomontagens.
A polêmica correu mundo, mas, a revista Ciência Popular, que logo duvidara, declarou oficialmente, em sua edição nº 76 (janeiro de 1955), que as fotos eram falsas. João Martins ainda voltou a se defender, em O Cruzeiro (outubro de 1959), no artigo “Revelado o segrêdo da Barra da Tijuca”, até que uma autoridade, o diretor da Ground Saucer Watch, William H. Spaulding, garantiu, em 1981, que as fotos eram forjadas porque “havia divergência nas sombras”.



Em compensação, a fotografia pode exercer importante papel para restituir a verdade e isto parece mesmo muito mais importante, como nas perícias e quando denuncia farsas...

Em 1989, Brasil e Chile se enfrentavam num Maracanã lotado, pelas eliminatórias da Copa do Mundo da Itália, e, em caso de derrota, a seleção brasileira seria eliminada.
Aos 24m do segundo tempo, Brasil vencendo por 1 x 0, a torcedora Rosenery Mello do Nascimento, 24 anos, disparou um sinalizador, de uso naval. A chama atingiu o gramado muito perto do goleiro chileno Roberto Rojas, que se jogou no chão e simulou ter sido atingido. Os chilenos se retiraram do campo revoltados, o goleiro, ensanguentado, sendo carregado. O juiz argentino Juan Lostau encerrou a partida após aguardar os chilenos por 20 minutos. Imagens de TV e especialmente uma foto de Jorge William provaram que o sinalizador não atingiu o goleiro, o qual levara a campo uma lâmina escondida na luva, com a qual, ao cair, cortou o próprio supercílio, o que foi confirmado pelos exames de corpo de delito, que também não encontraram vestígios de pólvora (veja vídeo). A fotografia, intitulada “A farsa chilena”, deu a Jorge William o Prêmio Esso de Informação Esportiva de 1990.
O Brasil foi declarado, pela FIFA, vencedor do jogo pelo placar de 2 x 0, pelo abandono de campo da equipe chilena. A então estudante Rosenery, torcedora do Fluminense, virou celebridade: deu entrevistas, foi a programas de tevê, esteve no Jô Soares e chegou a posar para a Playboy, em novembro de 1989. Tudo isto (vide site Achix) lhe rendeu casa e carro novo e viagens, até que ela “se aposentou”, casou e virou dona de casa...



Em suma, há falsificações, fraudes e farsas de todos os tipos na história do fotojornalismo e na imprensa... E, muitas vezes, o fotojornalista faz o seu melhor, “corre atrás”, mas, como a fotografia é "neutra", a sua colocação nestas histórias acaba dependendo muito mais do veículo de comunicação e das suas relações com as instâncias de poder. 


Como no caso da foto de Evandro Teixeira, feita na madrugada de 1º de abril de 1964, na tomada do Forte de Copacabana por tropas do golpe militar que se autoproclamou “Revolução de 31 de Março”: “Nessa noite, o telefone tocou na minha casa, do outro lado da linha estava o capitão Leno, meu amigo de vôlei de praia, dizendo que o Forte estava sendo tomado. Peguei a minha Leica e fui para lá. Com a ajuda do capitão, consegui entrar com a máquina escondida por debaixo da camisa e dessa maneira pude fotografar a movimentação dos militares debaixo de uma chuva torrencial. Até pensaram que eu fosse fotógrafo do Exército Brasileiro! Pouco depois, o general Castello Branco chegou e senti que era hora de deixar o recinto”.  
Fonte: Image & Vision.


E já que estamos falando de variadas forma de mentiras, enganos e engodos em torno deste momento (leia mais no link), é sempre bom lembrar as manchetes de alguns jornais bem em cima do golpe...