Nada melhor do que uma luz (ainda mais se tratando de fotografia), um flash!...
Este veio em pleno seminário Revistas ilustradas: modos de ler e de ver o Rio de Janeiro na Primeira República, na Casa de Rui Barbosa, nos dias 16 e 17 de Nov/2010, quando uma típica teoria de comentarista de palestra virou, no caso, uma luminosa percepção...
O desenho, de época, do cartaz do Seminário inclui uma máquina fotográfica... |
Imaginem a cena: início do século XX, o Brasil se torna uma República turbulenta e militarista, ainda controlada por forças regionais, que, aos poucos, se “civiliza”, um país cada vez mais “moderno”...
Os novos governantes querem espantar do país os ares monárquicos, aliviar a capital de seu passado colonial, inscrito ainda na malha urbana. Com prefeitos eficientes, aterros e avenidas, o Rio de Janeiro aspira copiar a recem urbanizada Paris: a elite carioca poderá flanar em alto estilo...
Ora, é tempo da câmera Kodak, com o lema “você aberta o botão e nós fazemos o resto“, as pessoas fotografavam (“kodakeavam”) à exaustão! Nas ruas, a fotografia é uma febre e as revistas ilustradas também estão entupidas delas.
O tema mais comum, como sempre, é gente, agora organizada e classificada em fotos posadas, nos mais variados grupos. Também a arquitetura eclética das fachadas da Av. Central ou da Exposição de 1922 e até as conseqüências da remoção de moradores e do inchamento da cidade: favelas também são fotografadas...
Afinal, se há tantas fotografias circulando, de onde foi que o fotógrafo sumiu?...
Ah, sim... O fotógrafo sumiu dos créditos!...
É verdade: não há praticamente qualquer referência aos autores de milhares de fotografias publicadas pela imprensa carioca no período. Já outros produtores de imagem (desenhistas, caricaturistas, ilustradores) e de texto (escritores, cronistas, articulistas) têm seus nomes continuamente citados...
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Edição de fotos por J. Carlos em O Malho - A.Ramos, 2010 |
Julieta Sobral (PUC-Rio), designer, ao passar J. Carlos em revista, mostrou uma face menos conhecida do espetacular desenhista, o seu papel de editor de arte no grupo editorial da revista O Malho, responsável pela publicação de uma profusão de fotografias, praticamente todas sem o crédito do fotógrafo...
É realmente um longo hiato... No Império, a fotografia no Brasil teve reconhecimento amplo, em grande parte devido ao interesse de D. Pedro II por ela. Além de outorgar títulos de fotógrafo da Casa Imperial, induziu instituições a designarem os seus (por exemplo, Marc Ferrez na Marinha). Na segunda parte do século XIX, as revistas eram território de ótimos ilustradores, que, muitas vezes, pelo dever de informar, reproduziam fotografias de forma quase exata (como Angelo Agostini, em sua Revista Illustrada) e costumavam dar crédito ao fotógrafo, um meio de garantir ao leitor a veracidade da imagem.
Pois, nesta época, início do século XX, é impressionante a “clandestinidade” do fotojornalista... Cláudia de Oliveira (EBA/UFRJ), umas das autoras do livro O Moderno em revistas, falando neste Seminário sobre o tema Fotografia, cidade moderna e revistas ilustradas, diz ter identificado nas revistas do período de 1900 a 1920 apenas um fotógrafo (um!...). Assinando-se Brum (?), publicou fotos na Fon-Fon, em O Malho e em A Careta, mas não connseguiu maiores informações.
O “flash” do momento foi vislumbrar que, no período, a tal ponto predomina a visão da fotografia como mera reprodutora do mundo natural e do fotógrafo como um simples apertador dos botões de uma caixa preta (vide Vilém Flüsser), que esta percepção, advinda ainda da possibilidade de reprodução técnica de fotografias por novos equipamentos gráficos (vide Walter Benjamin) e acrescida da adiantada profissionalização das empresas editoras de revistas (e jornais), tudo isto simplesmente faz com que o fotógrafo desapareça...
Do ponto de vista deste fotógrafo, a raiz da desvalorização está nas limitações técnicas (câmeras grandes, pesadas), na tendência para fotos únicas pela dificuldade de obter sequências (sistema de chapas), na necessária predominância da foto posada (baixa sensibilidade dos filmes).
Realmente, da época, ficaram nomes de fotógrafos de registro formal, por conta de suas inserções em instituições públicas, cujo melhor exemplo é Augusto Malta, fotógrafo da Prefeitura, de 1900 (com Pereira Passos) até 1936. É assunto a ser desenvolvido, mas foi animador receber da professora Tania de Lucca (Unesp), que falara sobre O gênero revista ilustrada em questão: desafios e possibilidades, concordância e apoio à tese, ao final do primeiro dia, entre goles de cafezinho...
Afinal, os fotógrafos de imprensa do início do século XX, eram eles apenas “paus-mandados”?...
Bom tema para pesquisadores que não se limitem às belas imagens dos fotógrafos já emoldurados pela História...