A cidade, campo de batalha entre a estruturação geométrica de suas construções e a insinuância irrequieta de habitantes e transeuntes, é matéria prima inescapável para os fotógrafos...
Mas, nem todos fazem dela o seu motivo central, conseguem fotografá-las de forma disciplinada, dedicam-lhe toda uma obra... Na prática, apenas alguns poucos tornaram-se fotógrafos históricos das cidades em que nasceram, viveram ou investiram, por um tempo, o seu talento. Se o fizeram, não terá sido só por paixão pessoal ou exigência da profissão, mas, talvez mais certamente, por uma criativa harmonia entre estes tão poderosos impulsos.
Entre as muitas exposições do
FotoRio 2011, algumas recuperam as fotos históricas (e as próprias histórias) de fotógrafos que, identificados com as suas (ou mesmo outras) cidades, transformaram-se em guardiões (e também mensageiros) das imagens de seu passado.
Um exemplo clássico, é a obra do fotógrafo “ítalo-gaúcho”
Virgilio Calegari, apresentado na exposição “
Um Cavaliere entre dois mundos”, um destaque no FotoRio. Chegando ao Brasil com 13 anos de idade, ainda no século XIX, Calegari fotografou Porto Alegre de tal forma que “ajudou a criar e popularizar a imagem da pequena capital que se pretendia grande”, no dizer da curadora da exposição,
Sinara Sandri. Em 1910, no auge da carreira, com vários prêmios internacionaisl, recebeu de seu país a comenda de
Cavaliere, pela contribuição à cultura italiana e pelo seu sucesso no exterior.
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Pça XV, esq Mar.Floriano, Porto Alegre -Virgilio Calegari, 1910 |
Estes fotógrafos, que produzem a memória visual das cidades, são típicos das grandes metrópoles, cujo crescimento e modificações acompanham por décadas. Mas, ainda no FotoRio, temos um belo exemplo em um âmbito regional, a exposição “
O Sal da Terra” (prorrogada até 14/08/11), com fotos de
Wolney Teixeira, que documentou a Região dos Lagos, RJ, entre os anos 30 e 70 do século XX.
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Largo de Santo Antonio, canal de Itajuru e rua da Praia - Cabo Frio - Wolney Teixeira, 1948 |
Além das salinas, praias, restingas, as pescarias, as festas e os políticos, suas fotos mostram “a vila colonial que permaneceu intocada até os anos 50, quando a cidade passa a adquirir feições de balneário turístico”, como destaca
Mauro Trindade, que editou, para a exposição e futuro livro, os mais de 10.000 negativos guardados pelo filho do fotógrafo.
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Centro de São Paulo - Cristiano Mascaro, c. 1985 |
Outras visões das cidades dependem de um olhar especial. No correr do século XX, vários fotógrafos fizeram leituras particulares de certas cidades utilizando técnicas específicas, conseguindo dar às fotos um tom autoral, que se descola do registro “realista” do período inicial da fotografia.
Um exemplo é o tratamento altamente formal, aparentemente distanciado, do fotógrafo, professor e arquiteto
Cristiano Mascaro em suas fotos de São Paulo: com um denso preto e branco e em formato quadrado, como se retratasse a personalidade da cidade. Um trabalho que se tornou, através de livros e exposiçoes, pelo apuro das imagens, um marco visual da cidade de São Paulo: “ele é um mestre no que se refere à percepção da arquitetura como protagonista”, declara o crítico
Agnaldo Farias.
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Elev. Lacerda e Merc. Modelo, Salvador - Cesar Duarte, 2008 |
Cesar Duarte, mais jovem e menos conhecido fotógrafo carioca, além de registros para a Prefeitura do Rio, também fez, como expressão pessoal, uma escolha técnica: usando o mote “cidade iluminada” para seus livros , fotografou Rio de Janeiro e Salvador em um horário especial, a chamada “twilight zone”, a passagem do dia para a noite, o momento em que a luz natural do fim da tarde se equilibra com a luz artificial dos interiores e da iluminação pública, o que possibilita criar fotos surpreendentes de locais conhecidos.
Um dos nossos grandes fotógrafos-historiadores,
Augusto Malta, também trabalhou, no início do século XX, para a Prefeitura carioca (que conserva seu
acervo), fazendo desta posição profissional a base de sua obra. Em mais de 30 anos, Malta registrou do cotidiano aos mais dramáticos acontecimentos da cidade: a construção da Av. Rio Branco, a destruição do Morro do Castelo, a vida nas
cabeças-de-porco, o surgimento das favelas, as revoltas, os carnavais, tudo...
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Av. Rio Branco, Rio de Janeiro - Augusto Malta, 1923 |
Outras grandes cidades brasileiras têm seus fotógrafos-historiadores e, no correr do século XIX, um dos mais importantes foi
Militão Augusto de Azevedo, um ator carioca que, ao se mudar para São Paulo, torna-se
fotógrafo de retratos. Anos mais tarde, faz uma grande obra como paisagista, deixando como principal legado, o "Álbum Comparativo de Vistas da Cidade de São Paulo (1862-1867)", publicado em 1887.
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Igreja N. S. dos Remédios e Pátio da Cadeia, S. Paulo - Militão, 1862 |
Certamente, o maior deles (entre muitos!..) foi
Marc Ferrez, que tem a sua extensa
obra bem preservada. Xará de seu tio, um escultor que veio para o Brasil com a Missão Francesa em 1815, nasceu no Brasil e foi criado na França, mas trabalhou como
fotógrafo no Brasil por mais de meio século (de 1865 a 1918), dedicando-se especialmente aos temas e
paisagens de sua cidade natal, o Rio de Janeiro.
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Cais dos Mineiros, Candelária e centro do Rio, fotografados da ilha das Cobras - Marc Ferrez, 1885 |
No correr do século XIX, diga-se de passagem, o Rio de Janeiro foi das cidades mais fotografadas em todo mundo. Afinal, até mesmo Pedro II, o Imperador, era fotógrafo...
Toda cidade tem a fotografia em sua história e eis aí uma bela tarefa, fazer este levantamento, Brasil a fora: quem são os "fotógrafos históricos" de sua cidade?...
Cartas para a redação deste blog.
Neste 1º de Agosto, o blog A Foto Histórica (e suas histórias) no Brasil
completa um ano de circulação, passando de 3000 acessos mensais.
O autor agradece a todos, e em especial aos que colaboram com comentários.